Estamos todos diante de um perigo eminente, um vírus chamado COVID-19. O psiquismo acende um alerta vermelho: “É preciso se proteger!”Angústia. Mas como responder a um perigo que é invisível, que só adquire o estatuto de ameaça quando seus efeitos já causaram danos? E não digo danos somente no corpo, mas em muitos outros aspectos da vida comum, um efeito dominó acontece por causa dele. Temos que nos haver com muitas faltas ao mesmo tempo, e que muitas vezes nem sabemos identificar quais são.
As respostas dadas diante dessas perdas iminentes ou já instaladas são singulares para cada um. Existem uns que vão dizer que não é um perigo, que é uma invenção, uma conspiração. Negam a realidade para não terem que perder nada, para não terem que lidar com a falta, uma recusa. Outros perceberão os sinais e ficarão em estado de alerta diante dos perigos, que dizem respeito, a princípio, à própria segurança corporal, mas não só, também à perda do emprego, de pessoas queridas, de projetos em andamento, de uma viagem há muito tempo esperada, do casamento agendado e tudo quitado, e por aí vai.
Na clínica escuto vários desses relatos; nos jornais as notícias e suas respectivas reações às perdas não cessam:
“Estou com medo de sair na rua, preciso pegar meus remédios para o tratamento do câncer que tive há um ano”
“Por que as pessoas não ficam em casa? Eu estou aqui fazendo o isolamento, desse jeito vamos ficar muito mais tempo assim. Que raiva!”
“Meu emprego está suspenso, eu trabalho com vendas, já tinha prospectado alguns clientes e não posso efetuar as vendas porque não tenho autorização para fechar os negócios, me sinto como um peixe fora do aquário e asfixiando”
“Estou muito triste, meu pai era uma pessoa muito importante para nós. Quando chegamos no pronto socorro ele estava com muita falta de ar e não tinha leito com respirador para ele. Depois de dois dias ele morreu. Tivemos que identificá-lo por foto e não pudemos fazer seu enterro, foi muito ruim porque não conseguimos passar por esse processo de velar pelo meu pai e nos despedir”.
Enfim, são “perdas, muitas perdas.”
O luto é composto pelas reações que ficam depois da constatação da perda de um objeto investido de afeto, as quais são muito singulares para cada um. Quanto maior o apego, maior o sofrimento. Esse objeto não é necessariamente um “Ser”, pode ser um ideal, um trabalho, um animal de estimação, um projeto, dentre outros. Ele envolve um processo de elaboração da perda, que vai se dar através da busca pelo objeto perdido, pois o investimento não cessa de uma hora para outra, e, na tentativa de recuperá-lo haverá frustrações, pois a realidade é implacável: o objeto está morto! Nesse vai e vem da busca pelo objeto e constatação da sua ausência, o afeto, até então investido e ligado, fica solto e sem substituição. Se o objeto não está mais presente deixará um vazio, uma falta, gerando imensa dor.
Dito isso, pergunto: diante dessa pandemia, quais os objetos da perda? É importante que cada um compreenda o que está perdendo, para num depois processar essas perdas. A presença desse vírus, juntamente com a ameaça que causa, rompeu abruptamente todo o encadeamento e o curso de vida que vínhamos tendo, e a ciência e os governos não asseguram um saber sobre ele, o que nos coloca frente a muitas incertezas.
Falando de um outro jeito, estamos diante de um grande enigma provocado por essa realidade que nos assolou. "O que perdemos e como será o futuro?" Houve uma ruptura da continuidade e sem uma perspectiva de quando e como ela voltará. Estamos sendo invadidos por uma sobrecarga de excitação que não conseguimos, por causa de todas essas circunstâncias, dar destino. É uma vivência que não estava preparada para um perigo, saindo da rede de representação. Esses afetos não conseguem ser assimilados no campo do Eu, da consciência.
Temos muito o que compreender diante dessa realidade e diante desse rompimento da continuidade. Deixo aqui uma abertura e uma convocação para que cada um escreva suas construções.
por Regiane Gubeissi Dias dos Santos
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