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Um olhar psicanalítico sobre o racismo: entre o familiar e o estranho


O que pode um psicanalista frente à construção social do racismo e às marcas deixadas pela história escravagista brasileira?


Se num processo de análise, o sujeito percorre por um caminho de deslocamentos rumo à um processo de elaboração e, de fato, de responsabilização e ação frente à uma questão de conflito, para que haja uma ruptura com a lógica social de escravidão e de racismo herdada no Brasil e reiterada ao longo de tantas demarcações históricas, também é necessário um processo de elaboração que vá para além da tomada de consciência (ou que, ao menos, não se paralise nela). É preciso se a ver com uma ferida histórica que não cicatrizou e que se faz presente nas relações a cada gesto, ação ou palavra do cotidiano.


Estas demarcações que aparecem de maneira naturalizada nas relações de classe, nos ditos populares, no acesso aos direitos básicos, nas pré concepções de lugares sociais e que se arraigam ao sujeito, ilustram o que Freud chamou de narcisismo das pequenas diferenças nos textos “Psicologia das massas e análise do Eu” (1921/2011) e “O mal-estar na civilização” (1930/2010). Para sustentar um padrão ideal europeu, é preciso resistir ao outro que carrega em si a marca do estranho e, ao mesmo tempo, do familiar e que põe em cheque um ideal identitário. Assim, o ódio ao outro nos diz mais sobre o que há de semelhante do que sobre uma dita diferença. No texto “O inquietante” (1919/2010), Freud nos coloca diante da estranheza familiar que há na diferença, no estrangeiro, naquilo que, por odiarmos em nós, projetamos sob a via da violência no outro. Assim, podemos pensar no mecanismo da projeção como um dos pilares que sustentam o preconceito. Projeta-se no outro aquilo que é odiado e insuportável em si, aquilo que ameaça a ilusão de pertencimento identitário, de classe e de lugar social. Trata-se, então, de um processo que é em essência irracional, afetivo e constitutivo do sujeito e da cultura em uma relação dialética.



O que pode um psicanalista frente à construção social do racismo e às marcas deixadas pela história escravagista brasileira?





Um caminho, não-todo, pode estar no instrumento base do ofício de psicanalisar: a escuta - oferecer aos sujeitos, representados nos campos do indivíduo e da sociedade, a possibilidade de se a ver com suas feridas históricas e identitárias em um espaço de circulação da palavra, compreendendo o preconceito não apenas como produto, mas como marca fundante da cultura.




Referências

FREUD, S (1930). O mal-estar na civilização. São Paulo: Companhia das letras, 2010.

FREUD, S (1921). Psicologia das massas e análise do Eu. São Paulo: Companhia das letras, 2011.

FREUD, S (1919). O inquietante. São Paulo: Companhia das letras, 2010.


Por Beatriz Macedo

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